terça-feira, 16 de junho de 2009

O milagre de Clarice e das folhas


Estou andando pela rua, pensando na minha vida, nos meus textos e em Clarice Lispector. Sentindo a brisa do rio nos meus cabelos, lembro de um texto dela que me toca muito: O Milagre das Folhas. Nele, ela conta de uma folhinha que caiu sob seus cabelos trazida por um vento e comigo, naquele exato momento, aconteceu o mesmo. Logo penso: “incidência da linha de milhões de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a mim.” Seguro a folha, olho para o seu mais vivo verde, sorrio com a coincidência, assim como ela, ponho-na na bolsa como o mais “diminuto dos diamantes”. Se um dia, eu abrir minha bolsa e encontrar aquela “folha seca, engelhada, morta” e, por acaso, vir a jogá-la fora pois “não me interessa fetiche morto como lembrança”, não precisará uma outra folhinha vir a cair nos meus cílios pois eu, naquele momento sublime, já senti “Deus de uma grande delicadeza.”


O milagre das folhas

Clarice Lispector

... Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos cabelos. A incidência da linha de milhões de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a mim. Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a escolhida das folhas. Com gestos furtivos tiro a folha dos meus cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante. Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança. E também porque sei que novas folhas coincidirão comigo. Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza.”

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