sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Erika, a caixa

Quando muito pequena eu era, alimentava um sonho profissional, um tanto pequeno, para quando ainda não se sabe alguns conceitos básicos de vida, mas, gigante para uma criança de imaginação fértil.

Queria ser caixa de supermercado!

Na época, a tecnologia ainda não tinha aportado nas instalações dos supermercados Dular, Pérola e Cobal, lá de Garanhuns. Não existia código de barra, muito menos leitor esfereográfico, laser, CCD ou câmera. Tudo era feito manualmente: a funcionária pegava o produto e, atentamente, inseria o preço na máquina que, no mesmo momento, já imprimia o cupom.

Ergonomia? nem se sabia o que era isso. Os botões das registradoras eram duros (seguindo a tecnologia de Gutemberg) e a operadora tinha que ter as pontas dos dedos mais que fortes para passar uma jornada de trabalho naquela ginástica.

Para os comércios mais simplórios e com menos movimento, a registradora era diferente: no lugar da operadora apertar o botão da unidade, dezena, centena e milhar, ela puxava uma espécie de lavanca que descia até o número solicitado, ao mesmo tempo em que rodava o visor para o cliente visualizar. Ao final da compra, apertava-se outro botão, depois rolava uma manivela grande e pronto, num passe de mágica, abria-se a gaveta.

Eu achava a primeira o máximo, mais tecnológica, mais a frente e queria passar o dia inteiro operando aquela estrovenga.

Na verdade, ao escrever esse texto, associo que na verdade, queria ser caixa porque meus pais davam muito dinheiro àquelas moças enquanto que a mim, só o suficiente para um chocolate de pouca qualidade. E ali, naquele posto, eu receberia não só o dinheiro deles, como de todo mundo que tivesse ali e assim ficaria rica.


Coisas de criança!


* Agradecimento especial a Tacy Viard (@tacyanaviard e www.tacyviard) por me explicar a coisa mais séria desse blog, o nome da nova tecnologia dos caixas de supermercados.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Literalmente Decidida


As mulheres, em sua grande maioria, têm a mania de estar numa busca inquietante do homem perfeito. E eles existem? Sim. Mas, não para todas. Um homem de porte viril, honesto, carinhoso, atencioso, calado, apartidário é mais raro do que um filhote de ararinha azul albina. Mas, existe.
Pouco se sabe, é que, com o passar do tempo, essa procura foi se "coisificando", chegando ao ponto do mulherio fazer opções de produto de mercado. Alerto: falo isso por mim. Encontrar alguém para chamar de meu amor está difícil. Não por ser exigente demais ou por achar que me falta algum atributo, pelo contrário. Já optei por uma sorte de rapazes que transitavam entre o estilo brega ao evangélico, fazendo escala nos metrosexuais, esquizofrênicos e horripilantes. Resultado? Nada.
Por isso, a partir de hoje, impulsionada pela vergonha alheia que senti ao ver aquela moça do Fantástico, desesperada, correndo atrás de contrair um matrimônio a todo custo, digo em alto e bom som que cansei. O que não implica em radicalizar. Se aparecer um alguém, claro que será de bom grado, mas a procura, a caça, a ida pra guerra? Exausta, parei.
E foi nesse processo de "coisificação" que embarquei. Agora, vou me dedicar à literatura. Nela, eu encontro tudo e mais um pouco. Se eu quiser um amor sem limites, acho em vários títulos de Eça de Queiroz. Uma simples paquerinha ou uma noite de azaração em Candace Bushnell. Traição, ou talvez apenas o seu mistério em Machado de Assis e para discutir a relação, são seria com outra pessoa se não com Clarice.
A leitura é, sem sombra de dúvidas, mais do que fantástica. Além de elucidar tantas questões, apresenta muitas vantagens, como: está sempre com você, quando você não tem interesse ou está com dor de cabeça, não reclama se cala e consente. Não fala que sua bolsa é muito grande, até prefere e até acha mais confortável, não se incomoda em ver você com um creme verde abacate no rosto, como também permite que fique o tempo indicado no pote sem fazer careta, nem ri de você.
Quanto ao outro lado, adora longas preliminares, permite desbravar a delicadeza das orelhas sem sentir cócegas e achar ruim, permite o aprofundamento mais íntimo do cheiro das suas páginas. Dorme sem roncar. E o melhor de tudo, não precisa ligar no dia seguinte pois ao despertar, ele - o livro- já te olha sorrindo e pronto para ser devorado mais uma vez.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Lis Pector


Ucraniana de nascença, de coração brasileira, nordestina, carioca e mulher diplomata. Considerava-se assim Clarice Lispector, uma das maiores escritoras da literatura dos últimos tempos. Com sua escrita arrojada afirmo que ela foi muito além dos conceitos da época e expressou com o sua autenticidade uma gama de enigmas travados pelo ser humano, refletindo estes, primeiramente, na sua alma.


No universo das letras, acreditava ser uma amadora e, no intuito de manter a sua liberdade de escrita, nascia e morria com cada texto. O seu “não” comprometimento intelectual permitia que vivesse intensamente períodos de extrema produção intercalados por hiatos fenomenais. Nesses, instalavam-se o caos e a solidão e uma vez vividos, elevavam sua alma e davam início a um novo, complexo e desbravador momento de inspiração.


Nem sempre seus enredos possuíam uma conotação trágica, muito embora seja necessário reconhecer que para mergulhar na aventura clariceana, é preciso um certo preparo psicológico e muitas vezes emocional. Também é natural que no primeiro momento seja despertado um estranhamento mas este, uma vez ultrapassado, faz o texto brotar de maneira apaixonante, indefinível, marcante e mágica.


Com seu perfil dinâmico, transitou pelos diversos estilos literários, com crônicas, contos, romances, literatura de viagem, infantil entre outros. Para os pequenos, ela dizia ter muita facilidade por ser muito maternal e viver o sonho ainda não alcançado das crianças. Já para os adultos, tudo entrava num estado crítico de conexão por este ser, triste e solitário, não viver a fantasia e o sonho.


No mundo interpretadamente adulto sempre soube bem expressar os mais secretos sentimentos, medos e anseios dos seus leitores, sendo caótica, intensa e muitas vezes irreal. Caminhava, naturalmente, entre os opostos, mostrando-se tímida e ousada, com sua personalidade intrigante e audaz. Usava a literatura como uma arma para se libertar de si mesma por muitas vezes não suportar a sua própria introspecção.


Falar de Clarice Lispector é sinônimo de procura, busca, de algo além do imaginado. É buscando no seu nome inspiração, que apresento minha primeira coluna e agradeço ao nécessaire a oportunidade de fazer parte da sua rede.


Em tempo – Em entrevista concedida pouco antes da sua morte em 1977, o repórter a questiona sobre a origem do nome Lispector. Ela, com todo seu jeito sisudo e sério, diz acreditar ser um nome de origem latina e que com o tempo a palavra foi perdendo sílabas e chegou a “essa coisa de lis no peito – flor de lis”. Pois é, para mim e para muitos, o perfeito desabrochar uma flor na alma de quem se depara com sua obra.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

O Chevette e o Corcell Amarelo


Lembro de um Chevette na minha vida. Eu era pequena. Não lembro a cor, o modelo e muito menos o ano. Sei apenas que adorava passear no seu interior. Voltando hoje da Livraria Cultura vi uma cena que me fez remeter a esta parte do meu passado com um saudosismo incomum, ou até comum para o tédio das noites de domingo. À minha frente tem um pálio com uma criança. Ela está passeando no dentro do automóvel justamente em um lugar que um dia eu desbravei e ali fui também.


Na parte que cobre a mala e que fica o vidro traseiro do carro. Ali deitado encontrava-se um menininho sorrindo com sua boquinha linda e com seu olhar de estar conseguindo algo inusitado e que sempre sonhou.


Olhei para ele e vi que um dia eu também me sentia assim. No Chevette diferentemente o palio, existia uns apoios que aparentavam ser extremamente confortáveis, o que na verdade não era. Mas para a minha idéia, poderia servir de travesseiro ideal para eu enfrentar uma viagem de Garanhuns para o mundo.


Com o Chevette eu apenas sonhei, mas lembro que coloquei a idéia em prática a idéia num corcel amarelo que tínhamos e num trajeto bem considerado: Garanhuns - Recife. Na minha cabeça, 4 horas dentro de algo escolhido por mim e para mim. Seria a glória.


Minha irmã, aprovou a idéia e ainda me deu a alternativa de, se eu enjoasse daquele lugar, eu poderia usar a alternativa de fazer meu ninho no piso do carro. Eu poderia me aconchegar com lençóis, cobertores e travesseiros, contanto que o banco traseiro do carro fosse só dela

.

A viagem começou. Saímos de Garanhuns bem cedo. O sol era pouco e fazia frio. O cantinho era aconchegante e eu via a estrada bem de perto. Aquilo na minha mente era lindo. Era uma conquista. Algo que eu estava sendo pioneira. Um lugar especial para crianças viajarem.

Depois de tanto sonhar acordada, acabei adormecendo e aí foi para um lugar que não lembro a mente de uma menininha loira que de súbito acorda com o sol quente na sua pele.


O acordo era de ela não incomodar, logo assumi o chão do carro e cheguei ao Recife.

Hoje, olhando o sorriso daquele menino vi o quanto o mundo evoluiu. Ele era menor do que eu, o espaço do carro era maior, existia ar condicionado e garanto que ele não ia para Garanhuns sem a BR ser duplicada.


Começar a semana vendo o sorriso doce daquela criança não é pra qualquer um, e eu pude comprovar que, é possível sentir prazer no dia de puro tédio e que o importante é apenas dar uma nova conotação, buscar novos horizontes, descomplicar a vida e sorrir para ela. Sorrir sem compromisso e com vontade de se sentir realizada, assim como imagino que seja minha semana. Tenho certeza que ela não será como as outras porque me vi ali. Erika de frente para Erika e vi que Erika ainda pode e deve sonhar.

terça-feira, 16 de junho de 2009

O milagre de Clarice e das folhas


Estou andando pela rua, pensando na minha vida, nos meus textos e em Clarice Lispector. Sentindo a brisa do rio nos meus cabelos, lembro de um texto dela que me toca muito: O Milagre das Folhas. Nele, ela conta de uma folhinha que caiu sob seus cabelos trazida por um vento e comigo, naquele exato momento, aconteceu o mesmo. Logo penso: “incidência da linha de milhões de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a mim.” Seguro a folha, olho para o seu mais vivo verde, sorrio com a coincidência, assim como ela, ponho-na na bolsa como o mais “diminuto dos diamantes”. Se um dia, eu abrir minha bolsa e encontrar aquela “folha seca, engelhada, morta” e, por acaso, vir a jogá-la fora pois “não me interessa fetiche morto como lembrança”, não precisará uma outra folhinha vir a cair nos meus cílios pois eu, naquele momento sublime, já senti “Deus de uma grande delicadeza.”


O milagre das folhas

Clarice Lispector

... Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos cabelos. A incidência da linha de milhões de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a mim. Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a escolhida das folhas. Com gestos furtivos tiro a folha dos meus cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante. Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança. E também porque sei que novas folhas coincidirão comigo. Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza.”

segunda-feira, 15 de junho de 2009


Os cabelos brancos indicam
Que estamos no meio do caminho
E que é preciso apertar o passo
Se quisermos trilhar o caminho do meio.

Os cabelos brancos nos lembram
Que a curva é descendente
E que o tempo urge,
O tempo voa.

Os cabelos brancos indicam
O período da savana
O tempo das dores frequentes
E dos movimentos em câmara lenta

Os cabelos brancos indicam
Que o tempo é voraz
É feroz
É veloz
E não faz concessão.


Por Delmo Fonsceca