segunda-feira, 22 de junho de 2009

O Chevette e o Corcell Amarelo


Lembro de um Chevette na minha vida. Eu era pequena. Não lembro a cor, o modelo e muito menos o ano. Sei apenas que adorava passear no seu interior. Voltando hoje da Livraria Cultura vi uma cena que me fez remeter a esta parte do meu passado com um saudosismo incomum, ou até comum para o tédio das noites de domingo. À minha frente tem um pálio com uma criança. Ela está passeando no dentro do automóvel justamente em um lugar que um dia eu desbravei e ali fui também.


Na parte que cobre a mala e que fica o vidro traseiro do carro. Ali deitado encontrava-se um menininho sorrindo com sua boquinha linda e com seu olhar de estar conseguindo algo inusitado e que sempre sonhou.


Olhei para ele e vi que um dia eu também me sentia assim. No Chevette diferentemente o palio, existia uns apoios que aparentavam ser extremamente confortáveis, o que na verdade não era. Mas para a minha idéia, poderia servir de travesseiro ideal para eu enfrentar uma viagem de Garanhuns para o mundo.


Com o Chevette eu apenas sonhei, mas lembro que coloquei a idéia em prática a idéia num corcel amarelo que tínhamos e num trajeto bem considerado: Garanhuns - Recife. Na minha cabeça, 4 horas dentro de algo escolhido por mim e para mim. Seria a glória.


Minha irmã, aprovou a idéia e ainda me deu a alternativa de, se eu enjoasse daquele lugar, eu poderia usar a alternativa de fazer meu ninho no piso do carro. Eu poderia me aconchegar com lençóis, cobertores e travesseiros, contanto que o banco traseiro do carro fosse só dela

.

A viagem começou. Saímos de Garanhuns bem cedo. O sol era pouco e fazia frio. O cantinho era aconchegante e eu via a estrada bem de perto. Aquilo na minha mente era lindo. Era uma conquista. Algo que eu estava sendo pioneira. Um lugar especial para crianças viajarem.

Depois de tanto sonhar acordada, acabei adormecendo e aí foi para um lugar que não lembro a mente de uma menininha loira que de súbito acorda com o sol quente na sua pele.


O acordo era de ela não incomodar, logo assumi o chão do carro e cheguei ao Recife.

Hoje, olhando o sorriso daquele menino vi o quanto o mundo evoluiu. Ele era menor do que eu, o espaço do carro era maior, existia ar condicionado e garanto que ele não ia para Garanhuns sem a BR ser duplicada.


Começar a semana vendo o sorriso doce daquela criança não é pra qualquer um, e eu pude comprovar que, é possível sentir prazer no dia de puro tédio e que o importante é apenas dar uma nova conotação, buscar novos horizontes, descomplicar a vida e sorrir para ela. Sorrir sem compromisso e com vontade de se sentir realizada, assim como imagino que seja minha semana. Tenho certeza que ela não será como as outras porque me vi ali. Erika de frente para Erika e vi que Erika ainda pode e deve sonhar.

terça-feira, 16 de junho de 2009

O milagre de Clarice e das folhas


Estou andando pela rua, pensando na minha vida, nos meus textos e em Clarice Lispector. Sentindo a brisa do rio nos meus cabelos, lembro de um texto dela que me toca muito: O Milagre das Folhas. Nele, ela conta de uma folhinha que caiu sob seus cabelos trazida por um vento e comigo, naquele exato momento, aconteceu o mesmo. Logo penso: “incidência da linha de milhões de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a mim.” Seguro a folha, olho para o seu mais vivo verde, sorrio com a coincidência, assim como ela, ponho-na na bolsa como o mais “diminuto dos diamantes”. Se um dia, eu abrir minha bolsa e encontrar aquela “folha seca, engelhada, morta” e, por acaso, vir a jogá-la fora pois “não me interessa fetiche morto como lembrança”, não precisará uma outra folhinha vir a cair nos meus cílios pois eu, naquele momento sublime, já senti “Deus de uma grande delicadeza.”


O milagre das folhas

Clarice Lispector

... Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos cabelos. A incidência da linha de milhões de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a mim. Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a escolhida das folhas. Com gestos furtivos tiro a folha dos meus cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante. Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança. E também porque sei que novas folhas coincidirão comigo. Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza.”

segunda-feira, 15 de junho de 2009


Os cabelos brancos indicam
Que estamos no meio do caminho
E que é preciso apertar o passo
Se quisermos trilhar o caminho do meio.

Os cabelos brancos nos lembram
Que a curva é descendente
E que o tempo urge,
O tempo voa.

Os cabelos brancos indicam
O período da savana
O tempo das dores frequentes
E dos movimentos em câmara lenta

Os cabelos brancos indicam
Que o tempo é voraz
É feroz
É veloz
E não faz concessão.


Por Delmo Fonsceca